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quarta-feira, 27 de outubro de 2010



Strip-Tease no Cine Cairo


Passo pelas escadas da Praça Ramos e, segurando o dedo do índio, sei eu que tribo, na frieza do bronze, desço pelas escadas, como um Fred Astaire. Com uma pasta 007, passo pelo Anhangabaú e entro na fila do Cine Cairo. Corro esbaforido, já que as sessões de strip-tease acontecem de duas em duas horas. 
São nove e quinze. Eu com muitos serviços na mala. Mas eu tenho o dia inteiro...

Na fila, me mimetizo, fecho a cara, até que minha vez chegue à bilheteria. Compro o ingresso com a economia de quatro passagens de ônibus, matreiramente superestimadas no cálculo da rota, que posteriormente foi cumprida a pé, e entro invisível. No trajeto da portaria até a poltrona, com passagem pela bomboniére, vou mudo. Já sinto, assim que me acomodo na poltrona, um cheiro estranho de urina e fumo de rolo, que me arde nas narinas.

Na tela, um pornô com duas japonesas de protagonistas. Coloco os joelhos apoiados na poltrona da frente, e me espanto com o tamanho das genitálias expostas e superdimensionadas na grande tela. Nossa uma detetive japa com umas tetas de fazer inveja à Cicciollina. E de olhos verdes!
Macaco velho que sou, já me garanto de achar um lugar que tivesse uns dois vagos do lado, pra não correr o risco de ataques dos perobos, que ficavam transitando por ali. 

Fico atento ao canal 100 e aos feitos da ditadura, que mostram Castelo Branco, as obras da Transamazônica e os gols, que naquele tamanho fazem o coração quase vazar pela boca. 
Acho que essa coisa de o Brasil ser o maior futebol do mundo vem do Canal 100. Com um futebol daquele tamanho só podíamos ser os maiores. E o narrador? Eu sempre fui fã dele. 
Tudo que ele falava eu acreditava! Se ele se candidatasse, votava nele.

Terminado o filme, as luzes apagam e entra uma canção, que ninguém ouve, e um globo prateado começa a girar, espalhando luz. De repente, surge uma mulher magrinha, com um vestido todo ousado, dançando uma dança que fala direto ao nosso baixo ventre. Ia toda lânguida, tirando luva, jogando blusa. E, sutiã que voa, surgem os peitos, muito bem-vindos! Segue a luta pela abolição da calcinha. Ela vira de bunda pros urcos, faz a retirada estratégia e... bingo – acho que durou duas horas essa parte – cai a cidadela! Mas, surpresa, em vez do espreito da chavasca, surge um maldito tapa-sexo, todo em stress e lantejoulas, que alguma maldita costureira teve tempo de bordar. Esse é o gran finale. 
Ela agradece, recolhe as roupas (?) E sai sob aplausos. 

Surge em seguida um amazona, de botas, chapéu e quejandos. Só faltou o cavalo. Batia com um chicote no tablado, que me assustava e excitava. Consulto o relógio e quase mando meus encargos às favas. Ali tava bom, mas eu precisava ir.

Saio transparente, esfregando os olhos prá adaptá-los à claritude e à realidade; na minha frente um cara propõe ganhar um dinheiro na porrinha. Passo. Como um churrasco-grego, acompanhado de suco, passo pela Praça do Correio e vou terminar meu trampo.
No ônibus, de volta, Praça Ramos-Vila Yara, sonho com a japonesa detetive e quase crio um problema com a passageira do lado, que me acorda bem na hora em que eu tava quase pegando a detetive. 
Eu tinha deixado cair minha cabeça no seu ombro. E babado.

Texto by João Barbosa.

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