.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Barbearia Barbosa... by João Barbosa


Na verdade, entrar naquela barbearia é um pouco tropeçar nos baldes do tempo e espalhar a minha necessidade de rever coisas que eu nem sei se vivi. A construção de esquina data de um tempo em que Osasco era barro. Hoje, apesar de conservada, resiste a modernices. Ainda tem como decoração na bancada de frente do espelho aquele vidro branco, que fica verde piscina com loção-pós-barba 1010 Bozzano. A gente senta na cadeira do barbeiro, deita e se espreguiça, estaciona o pescoço naquela almofada dura, que deixa nosso corpo desconfortável em relação à gravidade.
  Estamos a mercê da dupla creme de barbear e  pincel de pelo de texugo, que imediatamente entram num processo de luta com nossos pelos faciais. Por um momento, me sinto Papai Noel, mediante aquela infinidade branca de espuma branca. E dá-lhe navalha, que hoje, desmoralizada pelas calúnias de que era arma branca e de bandido romântico, foi abolida, dando lugar ao indefectível aparelho de barbear, lâmina dupla, que faz o papel, mas com certa viadagem....
Me lembro com lacrimosos olhos da minha barba feita a navalha, que me remetia a carregar um lenço de seda sempre no bolso, para evitar os perigos da época. Pois bem, só sei, que depois de a barba toda extirpada, vinha o banho de água mentolada. Em seu rótulo vinha escrito Não contém álcool, ao que a pele da gente respondia: impossível. Porra, isso é tortura!
 Ô raiva daquela água verde, alcoolizada, aquela que arde, tem perfume forte e só se acalma com vento de toalha e o talco Eucalol, borrifado com aquela bombinha de borracha, vermelha, similar a aquela para fazer sucção de leite de peito! Quando termina a barba, aquela escovinha de pelos de égua, limpando os pelos da barba, que nunca resolve e termina sempre no ritual de abano da toalha.
  Dura algo em torno de uma hora essa viagem, em que tenho minha cara alisada e massageada e minha macheza não colocada em questão, já que se trata de um ritual masculino. Tá incluída no preço, e tenho direito a uma aula da história de Osasco, desde as reuniões pré Autonomistas, onde se conspiravam contra São Paulo, como os próprios inconfidentes mineiros. E as reuniões no Ibirapuera, onde Roque, o barbeiro da cadeira vizinha da do meu primo, se arroga como um dos primeiros autonomistas (um grupo que nasceu em reuniões e lutava pela autonomia de Osasco, até então um distante bairro de Osasco) e o grupo do NÃO.
  Um outro grupo, comandado por um dono de cartório, que defendia a manutenção de Osasco como bairro. Eu sei que depois de um projeto na Assembléia, várias vezes frustrado em sua votação, o SIM venceu, num universo de 24.000 eleitores, por uma diferença de 1.300 votos. E olha, que foi uma briga, denúncia de fraudes, gente que votou muitas vezes em pontos diferentes para garantir a vitória autonomistas!
  Dizia um jornal da época “Quando os autonomistas se aproximaram do palácio, tiveram sua passagem barrada por um pelotão de choque da força pública com metralhadoras assentadas no meio da rua. Foi permitida a passagem apenas a dois emissários para falarem com o governador. Depois de serem recebidos pelo governador, os autonomistas seguiram para a residência do prefeito, onde os aguardava a guarda civil, que não permitiu a parada dos manifestantes”.
A luta pela emancipação de Osasco foi manchete várias vezes nos jornais de todo país e também no Times, de Londres.
  Fim de barba e fim de história. Quando vou pagar o serviço, comento com meu primo , na ausência do Roque, o outro septuagenário barbeiro, que fora ao banheiro, a beleza da história da luta autonomista dele, que o marcava para a história de Osasco como um herói. Ao que me primo responde com ironia:
  - Esse aí mente muito! Na verdade, votou pelo NÃO.

By  João Barbosa

3 Comentários:

  • Joao Barbosa nosso talentoso escritor brasileiro!!!! que dizer de voce e de suas maravilhosas crônicas???
    Dizer que foi consagrado e com motivos, pois talento a gente conhece às léguas, e sua obra tem cada vez mais excedido as expectativas de seus leitores , já acostumados com sua criatividade, com sua simplicidade de dizer e emocionar !!! parabens!! mil vezes para voce e para seu talento que transcendem!! eu sou sua fã de carterinha, e lhe digo que seu talento , cada crônica sua , tem um pouquinho de cada um de nós, de nossa vida, de nossas alegrias e de nossas tristezas. Voce Joao, escreve com a alma, isso faz a diferença!!! nós lhe amamos!!!Obrigada pela honra de estar aqui, de nos prestigiar e "deixar a vida nos levar", na cadência de suas crõnicas verdadeiras e emocionantes!!! Bjjjjjjjjjjjjjjjjjjjs no seu coração parceiro de sua arte!!!!
    Ana kaye

    Por Anonymous Anônimo, às 13 de outubro de 2010 às 22:14  

  • Eu que agradeço e fico muito feliz em falar prá veículos tão importantes como o ORebate.Fico feliz em falar do meu mundo aos cariocas.
    Deixo meu email: joãobarboz@gmail.com e meu blog:
    joaobarboza.blogspot.com

    abraços a todos.

    Por Blogger Unknown, às 14 de outubro de 2010 às 05:51  

  • Joaõ Barbosa, nossa, que bom ve-lo aqui !!! é honra duplicda!!! nós é que estamos muito felizes em poder mostrar aos nossos leitores o seu talento!!!!! O Rebate , através de seu editor José Milbs, com certeza virá aqui conferir a sua nobre presença!!!! Obrigada , sem palavras para lhe agrdecer.Bjjjjjjjjjjjjjjs
    ana kaye

    Por Anonymous Anônimo, às 14 de outubro de 2010 às 09:06  

Postar um comentário



<< Home